Um dia na academia
Sabemos que existem 7 pecados capitais, mas confesso que ontem a preguiça foi o que mais me dominou.
Já faz algum tempo que não pratico esportes, apesar de recomendar inúmeras vezes a diversas pessoas a importância da vida saudável, alimentação com vegetais, legumes, frutas e a manutenção da atividade física com regularidade. Meu esporte predileto sempre foi o xadrez e levantamento de livros; em especial pilhas de livros quando ajeito a estante de casa pois há alguns clássicos que não abro mão do formato impresso apesar de vivermos na era dos e-books e dos e-readers. Agachamento só na hora de fazer o número dois.
Casei com uma mineira, razão pela qual hoje moro em Belo Horizonte, ou "Belzonti" como dizem por aqui. Quando morava no interior de SP, toda vez que ouvia falar de Minas Gerais, o meu cérebro criava duas imagens: a do pão de queijo e a do queijo; e após 20 anos morando na capital mineira, além das maravilhas que citei, descobri o torresmo, feijão tropeiro, torresmo, feijoada mineira, torresmo, costelinha assada, angu, torresmo, frango com quiabo, dentre outros maravilhosos pratos da alta gastronomia - prefiro não citar a pamonha doce recheada com queijo, doce de leite ninho e suas variações com amendoim, brigadeiro mineiro, dentre outros.
Há algum tempo tenho sofrido uma pressão extrema de meus filhos e esposa para a pratica de atividade física, razão pela qual sempre desconversei, pois vivemos num mundo que a cada doze horas, ocorre uma nova revolução industrial, e esse prazo ainda vai se encurtar com a internet por fibra, a implantação do 5G e pela evolução dos computadores quânticos.
Ontem ao chegar em casa após uma rotina pesada de trabalho, estava toda a família sentada no sofá da sala - incluindo meus pets: 3 gatos e 2 cachorras que adoram me lamber. Minha filha, meu filho com os braços cruzados exibindo o bíceps - pois ele "malha" regularmente -, e a barba por fazer (fato que me assustou um pouco) e minha esposa com ar de ternura, e foi nesse olhar de ternura que descobri que algo grave havia acontecido ou estava prestes a ocorrer.
Nesses momentos acabamos imaginando o pior... "Alguém morreu?", "Minha esposa arrumou outro e quer o divórcio?", "Esqueci de pagar a internet?" ou "Arrumaram outro pet na minha ausência?"
Mantive minha singela tranquilidade, que me fez sentir um apresentador de jornal televisivo. "Boa noite. Está tudo bem?", disse com um sorriso que nem uma garrafa de whisky envelhecido por doze anos a preço de quinze Reais.
Para minha derradeira surpresa, haviam comprado roupas para "malhar" e minha esposa estava me esperando para me levar na academia e acreditem, minha ficha de atividades físicas já estava pronta. "Como assim?", pensei ainda meio atordoado com a notícia.
Fui "obrigado" a vestir roupas de ginástica. Quem me conhece sabe que só gosto de camisas pretas, blazer preto e na pior das hipóteses uma camiseta azul marinho. De imediato me deparei com uma bermuda vermelha que ia até os joelhos, com listras brancas laterais - daquelas bermudas que já vem uma cueca embutida -, uma camiseta preta - ufa -, e um tênis branco com listas vermelhas. Um choque de realidade para quem costuma vestir roupas escuras, por outro lado, delicadeza e cuidado por parte de meus familiares.
O fato é que quando me dei conta, já estava parado diante da catraca eletrônica que mal sabia, fazia a divisão entre o paraíso e o inferno dantesco . Eu ainda estava no paraíso, até atravessá-lo.
Lembre-se de que o olhar de ternura de uma esposa, após vinte anos de casamento, pode esconder elementos obscuros e terríveis. Há algum tempo li artigos sobre a Síndrome de Munchausen, também conhecido pelos psiquiatras como transtorno factício, no qual as pessoas simulam doenças ou forçam o aparecimento de doenças mesmo estando sadios, e tal transtorno vai mais além, conhecido pela terminologia antiga como Munchausen por procuração, que é quando alguém realiza essa simulação de doença fazendo aparecer sintomas em outras pessoas, podendo até provocar a morte. Bem, confesso que nesse dia, passei que acreditar que minha esposa havia me nomeado procurador dessa doença. Nunca vi tanta satisfação em alguém ao me ver fazendo exercícios. Até tirava fotos e gravava vídeos.
No início confesso, me senti como se estivesse em uma cutelaria medieval, pois o som de halteres de ferro misturados gemidos, dominavam o ambiente. É óbvio que colocavam músicas motivacionais para disfarçar os gemidos que oscilavam entre a dor para os masoquistas e o prazer para os narcisistas.
Imagine uma tartaruga tentando aprender a voar. Era mais ou menos assim que eu me sentia na academia, supervisionado pela minha esposa e por uns caras com crachá, onde ao invés do nome deles devia estar escrito: carrasco. Só faltava o capuz preto. Até que eram educados, mas tenho certeza de que por trás de tamanha delicadeza se escondia pensamentos do tipo "Coitado, o que esse cara tá fazendo aqui? Tanga frouxa!"
A primeira "máquina" se assemelhava à aqueles tipógrafos antigos encostado nos museus, um tal de supino, que até então na minha concepção lembrava uma marca de doce de banana em barra; me provou que existe mais de uma maneira de uma esposa castigar um marido. Mal sabia eu que era apenas o inicio do meu sofrimento. Depois veio leg 180º, máquina de pegada neutra - que a meu ver até então pegada neutra era um adolescente chegando numa garota e levando um fora -, remada - sem sair do lugar, acreditem. Eram tantas máquinas, alavancas e pinos para puxar que parecia que eu estava dirigindo um caminhão com câmbio fenemê.
Se em uma outra vida eu fui inquisidor da Santa Inquisição, acredito que a academia é um lugar onde hoje eu voltei na forma de bruxo para redimir meus pecados em meio a infinidade de instrumentos de tortura criados na modernidade.
Como se não bastasse, minha esposa para me ensinar como se usava um dos instrumentos de dor, fez o mesmo exercício que eu estava tentando fazer, com o dobro da minha carga, para demonstrar a forma e a postura correta no equipamento. Nesse momento confesso que cheguei a pensar em contratar segurança armada para me acompanhar nos dias de briga no relacionamento.
Quando acabou a sessão de tortura, fui descer a escada. Acredito que isso foi pensado de forma meticulosa por algum engenheiro, que colocou a maquinaria no segundo andar, para você ter que descer vários lances de escada após finalizar os exercícios. Eu parecia esses bonecos birutas que observamos nos postos de gasolina, que se movimenta de forma aleatória. Isso me fez pela primeira vez na vida descobrir a importância do corrimão nas escadas, enquanto minha amada esposa descia saltitante os degraus.
Se o pós operatório de cirurgia de hemorroidas faz você descobrir que o "cu" é o centro do universo (autor desconhecido), o dia seguinte da academia te faz entender que os anti-inflamatórios e os analgésicos foram a maior descoberta da humanidade. O problema é ter que ir até cozinha buscar água para tomá-los e nessa hora ninguém se oferece para ajudá-lo e você só quer ficar inerte.
Sem dor, sem ganho uma ova.
Confesso que a partir de ontem passei a ter um olhar diferenciado para aqueles aparelhinhos que vendem na internet, que grudam na barriga e depois fica com um abdome de fisiculturista. O ruim é que faz cosquinhas além é claro de dificultar você de segurar um livro para ler e fingir que não tem parkinson.
Que atividade física é importante, disso eu não discordo. Ainda mais se ela envolver as leis de Newton, termodinâmica, gravitação, ótica, acústica, etc.
Quanto a outra atividade física, prefiro deixar para os fortes, mas assumo que é um mal que se faz necessário.
"Um dia na academia", Hermes Marcondes Lourenço, em coletânea de contos, Kdpamazon, São Paulo, SP. © Hermes Marcondes Lourenço
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