Emparedado

 







EMPAREDADO

 

A parede estava pronta para ser demolida.

Estava ali, inerte, diante de meus olhos protegidos pelos óculos, evitando assim que algum fragmento se projetasse em minha retina, já fatigada.

Já trabalhei em muitos edifícios em Belo Horizonte, atendendo aos caprichos de clientes cheios de grana, que aproveitavam as férias para passear enquanto eu reformava um cômodo de um apartamento, ou que no caso de hoje o pedido era para derrubar uma parede, emendando dois quartos que seriam transformados em escritório.

Estava cansado. Afinal, sustentar uma esposa e dois filhos não é uma tarefa fácil, ainda mais no meu caso, que tive que abandonar a faculdade por falta de dinheiro, já no primeiro ano do curso de direito. Então me virava com alguns bicos, para ver se conseguiria engordar minha poupança e quem sabe, voltar a faculdade e concluir o que já havia começado. Queria mudar meu caminho e um dia talvez ser chamado de doutor.

Olhei para a parede. Sabia que o trabalho não seria fácil. A parte árdua seria ensacar todo o entulho e descer saco por saco pelo elevador de serviço sem fazer muita sujeira. Como disse a madame, “Não me arranhe o piso e não empoeire a casa”.

Idiotas! Pensei enquanto invejava a sorte deles em poder viajar. E eu, já com quase quarenta anos sem sequer conhecer o mar.

Meu relógio marcava nove horas da manhã. Tinha o dia todo pela frente.

Meu contratante não era bobo. Lembro-me de quando ele chamou o engenheiro para avaliar a reforma. O especialista disse que não havia risco em derrubar aquela parede, já que não comprometeria a estrutura do prédio. O que me incomodou, foi que o engenheiro constatou que a parede era dupla, de dois tijolos assentados em linha. Isso foi bom, pois cobrei duas vezes mais do que eu cobraria por uma parede comum. Eu que não sou bobo, também sei aproveitar as oportunidades.

Os dois cômodos estavam com o chão forrado com uma lona velha que um amigo caminhoneiro havia me emprestado. Isso pouparia o piso dos arranhões. Tive que cobrir a lona com papelão, para proteger dos pedaços pontiagudos que iriam cair e evitar que danificasse o piso.

Analisei a parede. Teria que começar de cima. Dessa forma seria cuidadoso e não correria o risco de que um pedaço grande de tijolo caísse e ricocheteasse para outro lugar.

Ao dar a primeira marretada, senti um som diferente. Parecia que a parede era oca e sucessivamente, até que um buraco se abriu.

O que me chamou a atenção, foi que de fato as duas paredes foram erguidas deixando uma fresta entre elas de aproximadamente 45 cm.

Por um lado era, bom, pois os pedaços de tijolos e argamassa ficariam confinados ao meio.

Continuei quebrando a parede. Após uma hora já chegava na metade da primeira parede. Ainda tinha outra inteira do outro lado para arrebentar.

Foi então que me deparei com a maior surpresa de minha vida. 

Ao quebrar um pouco mais abaixo da metade, encontrei um crânio humano, ainda sujo dos pedaços de reboco que caiam dentro da fresta que dividia as paredes.

— Meu Deus! O que é isso? — Disse surpreso enquanto observava a minha descoberta. 

Milhões de ideias passavam em minha mente. Será que o proprietário é um assassino? De quem será esse crânio?

Continuei a quebrar o restante da parede de tijolos, até que foi revelado um esqueleto completo. Era o esqueleto de um padre, pois trazia a roupa suja já fragmentada e o que restava da gola de padre o denunciava.

O que chamou a atenção era que nas mãos do padre — que por sinal estavam amarradas — ao invés do característico terço, trazia em seu lugar apenas uma chave dourada amarrada em uma corrente que parecia ser de ouro.

Minha coluna já doía. Retirei aquela chave das mãos do esqueleto, enquanto um turbilhão de ideias invadia meus pensamentos.

Foi então, que decidi optar pelo caminho mais sensato. 

Vou chamar a polícia. Não posso simplesmente ensacar esse esqueleto e colocá-lo em um entulho. Alguém um dia irá achá-lo e poderá me acusar de um crime na qual sou inocente. Murmurei, enquanto meus olhos observavam a pequena chave.

Caminhei em direção ao telefone. Assim que pressionei o talk do telefone sem fio, pude ouvir o sinal. 

Isso vai me dar uma tremenda dor de cabeça. Puta merda, isso tinha que acontecer justo comigo? Pensei até que fui tomado por uma onda de coragem e com meus dedos trêmulos pressionei as teclas 190.

Em poucos minutos pode ouvir uma voz feminina.

— Polícia militar, bom dia. Em que posso ajudá-lo?

Minhas pernas amoleceram. A voz não saía. Sabia que se não dissesse nada a polícia em breve iria bater em minha porta, digo, na porta de meu patrão, pois eles tinham como identificar de onde as ligações eram efetuadas.

— Policial, nome é Maurício. Sou pedreiro e estou ligando para uma orientação. Não sei o que faço diante de um fato que ocorreu aqui em meu trabalho.

Após alguns segundos de silêncio, novamente ouvi a voz da mulher.

— Vejo que o senhor está ligando da Rua Herculano de Freitas, 1509, apartamento 1019, confere?

Putz! Esses policiais sabem de tudo mesmo! Inspirei até que tomei coragem retomar a conversa.

— Policial, me desculpe incomodá-la, mas o fato é que estou trabalhando na casa de um senhor que me contratou para derrubar uma parede da do apartamento dele, e a senhora não vai acreditar no que achei. Encontrei no meio de duas paredes uma caveira, parece que é de um padre, pelo tipo de roupa que ele está usando. Estou ligando para saber o que devo fazer?

A policial ficou calada. Parecia estar absorvendo a situação.

— Senhor, a princípio não mexa no esqueleto, não retire ou toque em nenhum objeto no local que o senhor o encontrou. Estou encaminhando uma viatura até aí. Peço que aguarde até a chegada dos policiais. A polícia militar agradece sua ligação e tenha um bom dia.

Desliguei o telefone, aliviado. Caminhei até a janela e retirei a chave com a corrente de ouro em meu bolso.

— De onde deve ser essa porcaria de chave? Será que eu entrego isso a polícia ou fico quieto? E se essa chave for de algum cofre e esconder alguma fortuna? Isso pode mudar minha vida... Posso retomar meus estudos e dar condições dignas para minha família.

Olhei através da janela do 10º andar. A cidade já havia despertado e não sabia o que fazer com aquela chave.

Como a policial havia me avisado, sabia que a chave era a prova de um crime e o pior, talvez eu pudesse estar roubando de um padre, apesar de ultimamente não estar frequentando mais a igreja. Por outro lado, a chave poderia esconder algum quadro valioso e quem sabe pudesse existir alguma recompensa para quem o encontrasse.

Foi então que escutei o interfone tocar.

Sabia que era a polícia, tinha que tomar uma decisão, o mais rápido possível. Entregar ou não entregar a chave. Talvez o silêncio pudesse mudar minha vida e de minha família para sempre. Ninguém mata outra pessoa e a esconde a toa. Se o padre deixou a chave na mão, era para que alguém encontrasse.

Caminhei até o interfone, na qual o porteiro do prédio informou que a polícia já estava subindo.

Guardei a chave com a corrente no bolso. Caminhei em direção a porta e a abri antes que os policiais apertassem a campainha do apartamento.

Em poucos minutos a porta do elevador se abriu.

Dois policiais morenos e fortes, aproximaram-se. Um deles se parecia com Anderson Silva, lutador de MMA. Ele se aproximou, enquanto se observava o nome SGTO. Paulo, AB+ gravado no bolso da camisa do uniforme.

— Senhor Maurício? Em que podemos ajudá-lo.

Tirei a mão do bolso deixando a chave. Com mesma mão, cumprimentei o policial.

— Bom dia sargento. Sou pedreiro e fui contratado para derrubar uma parede aqui no prédio. O meu contratante está viajando. Só que quando eu derrubei a parede, encontrei um esqueleto em um espaço morto que existia ali. Pelo visto é de um padre, pois está usando a roupa característica que se conservou.

Os policiais se entreolharam. 

— Os proprietários viajaram para onde? Perguntou o sargento.

Meu coração disparava. Já não havia mais tempo para voltar atrás. Não iria falar sobre a chave.

— Pelo que sei, eles viajaram para Toronto no Canadá. Voltam semana que vem.

Mais uma vez os policiais se entreolharam, balançando a cabeça, em consentimento, como se já tivessem encontrado o culpado.

— Quero dar uma olhada nisso. Ordenou o sargento.

Caminhamos até a parede parcialmente destruída. 

— Está ali! Mostrei a eles, apontando com o dedo enquanto sentia minhas pernas amolecerem.

O outro policial retirou uma lanterna enquanto o sargento observava o quarto com a mobília coberta.

— Sargento. Dá uma olhada nisso. Realmente é um esqueleto, e está vestido com roupa de padre. Morreu com as mãos amarradas.

O sargento aproximou-se. Olhou por cima do ombro do outro policial com a expressão de Sherlock Holmes.

— Maurício, o senhor não encontrou nenhum objeto com essa caveira aí não, né? Pois isso aqui é cena de crime. Vou ter que chamar o delegado, que certamente irá acionar a perícia. Vou isolar isso aqui.

Engoli a saliva com dificuldade. Estava escondendo a chave da polícia em meu bolso. Foda-se! pensei. Essa chave pode mudar minha vida e não irá fazer falta para ninguém.

— Não mexi em nada não sargento. Agora não vou poder quebrar a parede? Se eu não quebrar não irei receber e preciso do dinheiro.

O sargento me olhou praticamente com os olhos vermelhos e a boca espumando.

— O senhor não está entendo? Isso aqui é cena de crime. Tá interditado. Tanto o senhor como o proprietário irão ser convidados a depor. Estamos investigando um assassinato. O senhor só vai poder mexer nisso aqui depois que o esqueleto for recolhido para o IML e a perícia liberar a cena. Aí sim vai poder voltar ao seu trabalho.

Respirei fundo. Tinha que manter a calma.

— Não, tudo bem policial.  Permita-me acrescentar uma informação; ouvi o dono do apartamento dizer para o engenheiro, que ele era o terceiro dono. Comprou o apartamento a pouco tempo, por isso optou em fazer a reforma.

O outro policial desligou a lanterna. Aproximou-se do seu superior.

— Entra em contato com a polícia civil e pede para um delegado vir até aqui com a perícia. Ordenou o sargento.

O outro policial consentiu com a cabeça. Seguiu em direção a sala e retirou o rádio da manga direita da camisa, cumprindo as instruções que lhe foram dadas.

— Quanto ao senhor — adiantou o Sargento —, vamos fazer o boletim de ocorrência, esperar a perícia analisar o local e então o senhor estará liberado. Não se preocupe com quem comprou ou vendeu isso aqui. Quem se preocupa com isso é a polícia e não o senhor.

Quatro horas se passaram para com que a perícia terminasse sua parte. Meu estomago já roncava pelo meu almoço. Havia trazido uma marmita e não tive tempo para comer, de tanto que me fizeram perguntas. Isso fora o tempo para localizarem o dono do imóvel e checarem as informações, bem como confirmaram minha contratação.

Decidi postergar o trabalho para o dia seguinte, pois havia pedido uma semana para quebrar a parede e fazer os arremates e então liberar o meio de campo para o pintor. Devido a confusão, cheguei a pensar que o dono do apartamento fosse desistir da construção e talvez até se mudar, pelo menos foi os cochichos que escutei os policiais conversando entre eles, que diziam que a esposa aos berros ordenava que o proprietário vendesse o maldito apartamento, mas isso era problema deles.

Fechei o apartamento, deixei a chave da porta com o sindico e isso me fez gastar mais uma hora de explicações sobre a quantidade de policiais que circulavam pelo prédio. Sem contar o nariz torcido e prepotente dos moradores.

Segui até o ponto de ônibus. Olhei para o relógio e ainda eram duas horas da tarde. Minha esposa esperava que eu chegasse por volta de nove horas, ao menos era o horário que tinha combinado. Quando coloquei a mão em meu bolso para pegar as moedas para pagar minha passagem, encontrei a chave que havia achado na mão do esqueleto. Olhei para o cobrador, e dei meia volta passando espremido pelas pessoas que estavam embarcando. Provavelmente todos pensaram que estava sem dinheiro.

Precisava saber de onde era a maldita chave. Se encontrasse uma fortuna, amanhã seria um dia de festas. Iria acordar mais tarde, comprar a boneca que fala para minha filha e dar o videogame que meu filho tanto pedia. Agora minha esposa... Iria mimá-la demais, mas com cautela, pois como meu avô dizia, mulher quanto mais se mima, mais sem vergonha ela fica.

Sabia que para começar minha investigação, precisava da internet.

— Por gentileza — Perguntei a um jovem que estava passando pela rua. — Onde posso encontrar uma LAN house por aqui?

O jovem parou e me explicou como chegar na avenida amazonas com cruzamento da Francisco Sá.

Estava a uns três quarteirões de lá.

No caminho entrei em uma lanchonete, pouco movimentada, para tomar um suco e analisar a chave.

Era uma chave comum. Foi então que notei a inscrição gravada Q2LP27.

Talvez fosse a numeração de uma caixa postal, ou quem sabe, um bagageiro. Deduzi enquanto pegava o troco do suco das mãos da garçonete.

— De onde será essa chave? — Pensei enquanto tomava o suco praticamente em um gole só. Apenas a internet poderia me trazer respostas.

Joguei o copo descartável no lixo. Atravessei a avenida Amazonas até chegar à LAN House.

Ao entrar, todos olharam como uma cara de espanto, afinal, eu era o único quarentão ali, perto de uma criançada com os dentes prateados pelo aparelho e a cara cheia de espinhas.

Paguei por duas horas de navegação e fui advertido verbalmente para não entrar em páginas de pornografias.

Ao certo, deviam estar me confundindo com algum solteirão, incapaz de conquistar uma mulher com necessidade de devaneios virtuais.

Sentei-me diante do computador. Agora sim, tinha o mundo em minhas mãos. Entrei no site de pesquisas, e digitei: padre desaparecido em Belo Horizonte. Em poucos segundos, surgiram milhares de ocorrências.

Após uma hora de pesquisa, finalmente encontrei uma informação interessante em um jornal do mês de julho de 1992.

 

Padre Desaparece em Belo Horizonte

 

Desde o dia 15 de maio autoridades policiais tentam solucionar o desaparecimento do padre José, na cidade de Belo Horizonte. Muito querido pela comunidade católica, o padre desapareceu com uma quantidade generosa de diamantes doados a igreja anonimamente. Há suposições que o diamantes doados sejam provenientes de uma quadrilha internacional de ladrões de preciosidades. Os diamantes estão avaliados em 3 milhões de dólares. Segundo informações, entre os diamantes encontra-se o diamante mais raro do mundo, conhecido como olho de anjo, a única pedra de diamante azul existente no mundo.  De valor incalculável, alguns especialistas estimam que o preço dessa pedra, aproxime-se de algo na casa de 1 bilhão de dólares. Mais de dois meses se passaram e mesmo com esforço conjunto com a Polícia Federal, ainda não teve pistas quanto ao paradeiro do padre. A última vez que o padre foi visto com vida, foi no sepultamento de sua irmã no cemitério parque da Colina, aqui na capital.

 

— Meu Deus do céu! - disse em voz baixa sem me preocupar, pois os adolescentes estavam com os fones de ouvidos, viajando em games no mundo virtual.

Respirei fundo. Talvez a chave fosse para abrir um cofre. O fato é que tinha uma fortuna em minhas mãos que poderia mudar minha vida.

A igreja já é milionária, pensei enquanto minhas mãos compulsivamente mexiam com a chave, com inscrição gravada.

Se eu encontrar esses diamantes, poderia vendê-los. Mudaria de país e finalmente iria morar com minha família na beira de uma praia e daria a meus filhos uma vida de qualidade. Diria adeus a vida de pedreiro que tanto deteriorava minha saúde.

Foi então que meus olhos correram para a última frase da notícia sobre o padre.

"A última vez que o padre foi visto com vida, foi no sepultamento de sua irmã no cemitério parque da Colina, aqui na capital."

Então tudo fez sentido. A inscrição gravada na chave, poderia ser de algum lugar do cemitério... As letras fizeram sentido: Q2LP27

Quadra dois, lápide 27!

— É isso! — Gritei enquanto por instinto dei um pulo na cadeira que estava sentado. Todos me olharam. De certo acharam que havia conseguido chegar ao final de um game.

Como estava na avenida amazonas com a avenida Francisco Sá, sabia que não estava muito longe do cemitério. Era só pegar um ônibus.

Segui em direção à avenida, deixando todos na Lan House, achando que eu fosse o maior expert em games.

Olhei para o relógio. Aproximava-se das quatro da tarde, em pleno horário de verão. Ainda tinha tempo suficiente.

Caminhei ao ponto de ônibus e em poucos minutos já estava no ônibus com destino a Nova Cintra. O motorista me informou que o ponto seria uma floricultura na frente do cemitério.

O transito não estava complicado. Em quinze minutos já havia chegado descido no ponto, conforme o motorista havia me falado. Caminhei em direção ao cemitério.

Era um espaço maravilhoso, com uma ampla área verde. O que me chamou a atenção era que não havia túmulos como nos cemitérios comuns, mas sim jazigos enterrados, sinalizados por lápides.

Andei alguns metros até que encontrei um funcionário.

Por gentileza, onde estou procurando por uma lápide. O código é: Q2LP27. Você poderia me indicar onde posso encontrá-la?

O funcionário coçou a cabeça. Olhou para a parte alta do cemitério.

— Olha é lá em cima, perto daquela árvore. É um dos poucos jazigos vitalícios.

Meu coração acelerava. Nunca estive tão perto de ficar milionário. Não podia demonstrar nenhuma ansiedade.

— Jazigo vitalício? Como assim?

O funcionário riu, enquanto continuava a retirar algumas embalagens com flores mortas.

— Vitalício é porque o jazigo é pra sempre. Ninguém nunca irá tirá-lo de lá.

Fiquei meio sem graça. Minha ansiedade não me permitia pensar. Já estava começando a fazer perguntas idiotas.

Segui em direção ao local que o funcionário havia me indicado. Não conseguia pensar em mais nada, a não ser na chave. Parecia que o mundo estava em minhas mãos e que apenas eu poderia mudá-lo. Nunca alguns metros pareciam ser tão distantes.

Então, por fim, cheguei ao local indicado.

Estava ali, bem diante de meus olhos, embaixo da sombra de uma arvore, cujas folhas balançavam suavemente como que se dançassem regidas pelo vento.

Uma lápide cinza, semelhante a uma pedra ardósia, trazia a inscrição já suja e danificada pelo tempo.

 

Aqui jaz Aline Bertolucci.

* 25/01/1941

+ 14/05/1992

Descanse ao lado do Senhor. Saudades eternas de seu irmão.

Pe. José Bertolucci

 

Então senti um frio percorrer minha coluna. O sinal de mais gravado na lápide em frente ao número catorze, era uma pequena fechadura colocada de forma quase que imperceptível aos olhos de quem por ali passasse.

Ajoelhei diante da lápide. Com as mãos trêmulas, retirei a chave de meu bolso. Coloquei-a na fechadura. Após duas voltas completas, ouvi um clique alto.

Levantei a lápide. Era como um cofre. Sobre ela havia um pequeno embrulho. Retirei-o o mais rápido possível, colando a lápide em seu lugar.

Ao desfazer o embrulho, havia um recipiente de madeira, como se fosse um baú em miniatura. Ao abri-lo, a luz do sol fez com que o conteúdo brilhasse com um prisma reflete a espectro do arco-íris. Dentre eles destaca-se um reflexo azul, especial. Eram os diamantes desaparecidos!

Fechei o pequeno baú. Ainda de joelhos, olhei para o alto e agradeci a Deus pela oportunidade.

Foi então que senti uma forte ferroada em meu pescoço.

Ao olhar para trás, vi uma mulher, loira, vestida de preto com uma arma em punho.

Tudo começou a rodar. Uma sensação de anestesia invadia meu corpo até que caí no chão, sedado.

Quando acordei, estava com as mãos amarradas dominado por uma terrível sensação de calor e desesperado para respirar.

Meus ombros estavam espremidos por duas paredes.

Não conseguia me movimentar. Mesmo com a mão amarrada, tentei palpar o bolso de minha calça a procurar do celular. Em vão. Alguém o havia retirado.

Sabia onde eu estava.

Tentei gritar, mas minha boca estava amordaçada. Quanto mais me movimentava, mais o ar me faltava.

Foi então que tudo o que havia acontecido passou diante de meus olhos, como num filme.

Lembrei de minha esposa e de meus filhos, enquanto sentia o calor das lágrimas que percorriam meu rosto. Sabia que jamais iria voltar a vê-los.

Talvez daqui a 20 anos ou mais, alguém poderia me encontrar.

Então, naquele momento, fiz a maior descoberta que custou a minha vida.

"Que nem toda chave abre uma porta para a felicidade."

Estava sufocado, o calor e vontade de respirar era terrível. Só Deus sabia quanto tempo já estava ali.

Percebi que em minhas mãos havia sido colocado um terço.

A falta de ar piorou, até tornar-se insuportável.

A escuridão tornou-se eterna.

 

***

 

 

Hermes M. Lourenço

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